terça-feira, 10 de junho de 2014


Formados para sair em busca de um futuro

São Jovens. São emigrantes qualificados e tão cedo não pensam regressar a Portugal porque aqui “não há perspetivas de futuro”. 

Por: Ângela Oliveira 

Desde os descobrimentos que Portugal tem crescido como país de emigração e desde o rebentar da crise, em 2008, o fenómeno dos anos 60 parece estar a repetir-se. A única diferença é que esta nova levada de emigrantes não deixa o país para fugir à Guerra Colonial, mas antes para não se tornarem as novas vítimas do desemprego que assombra Portugal. 

Hoje, a emigração ganha outros contornos. As dificuldades de encontrar o primeiro emprego, as perspetivas de construir uma carreira e sair de casa dos pais ou as propostas pouco aliciantes das entidades empregadoras “obrigam” a geração mais qualificada de sempre a fazer as malas e partir sem olhar para trás. 

A emigração não constava no memorando da troika nem fazia parte dos planos de muitos dos jovens que se acabavam de licenciar. Já com o país ao comando da troika, em 2012, 121, 418 portugueses procuravam novas oportunidades noutros países, revelam os dados do INE. 

Os Portugueses seguiram os conselhos do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que em 2011 aconselhou os jovens a emigrar porque “a emigração não pode ser um estigma e se não encontram emprego em Portugal devem procurar oportunidades lá fora”. E foi “para fora”, principalmente para “terras de sua majestade” que os cérebros lusitanos partiram em busca de oportunidades. O observatório da Emigração avança que 5% do total da emigração portuguesa, ou seja, 30, 121 mil Portugueses, na sua maioria jovens, são recrutados para o Reino Unido. 

São milhares os licenciados que saem todos os anos das Universidades Portuguesas e que contribuem para o aumento da taxa de desemprego jovem que, segundo os dados do Eurostat de abril deste ano, chegava aos 36,1%, a sexta mais elevada a nível europeu. 

Sair tornou-se a melhor opção. A Ana Matos e o Josué Neto, de 23 anos, fizeram parte destes números. Podiam estar a trabalhar em Lisboa ou em qualquer zona do país, mas as respostas dos possíveis empregadores teimavam em não chegar. Depois de acabarem a Licenciatura na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, em 2012, os dois enfermeiros tentaram a sorte e enviaram currículos para várias instituições de Saúde em Lisboa. Ao final de 4 meses de espera, as respostas não chegavam. “Sentia-me completamente inútil, sentia-me frustrada” diz a Ana, que desde o inicio “sabia que provavelmente não seria só ao final de 4 meses que iria ser chamada, sabia que provavelmente estaria um ano à espera de uma entrevista que poderia nunca chegar ou de um trabalho que poderia nunca aparecer”. 

A área da enfermagem foi uma das mais afetadas e são milhares os recém-licenciados que deixam Portugal para poderem começar a carreira. Foi o caso da Ana, que quando terminou o curso sabia que seria difícil conseguir trabalho em Portugal, ou mesmo que fosse uma das poucas sortudas a consegui-lo, reconhece que o dinheiro que iria receber não seria suficiente para sair tão cedo da casa dos pais, para ir viver sozinha ou com o namorado. “Basicamente eu não via futuro à minha frente, eu só me via a viver com os meus pais, até ter 35 anos ou até ganhar o Euromilhões e ter dinheiro para pagar uma casa, porque via as despesas a aumentar e os salários a serem reduzidos”.

A decisão de sair do país foi tomada por necessidade. Para o Josué foi a “necessidade de querer começar uma vida própria e escapar ao desemprego”. Foi por isso que os dois recém-licenciados de Lisboa começaram a procura na Internet “por empresas que fizessem recrutamento de enfermeiros especificamente para o Reino Unido”, o único país que a Ana escolheria para construir uma carreira, “talvez por já estar habituada à língua”.

Candidataram-se, enviaram currículos e foram chamados para uma entrevista no Porto. O e-mail chegou com o endereço do Hospital de Blackpool, uma cidade a noroeste de Inglaterra. “Foi à entrevista e no final sentia-me mal, sentia que tinha posto os pés pelas mãos, tinha baralhado o meu Inglês todos, mas passados dois dias, ligaram-me e disseram-me que eu fiquei com o trabalho”. Esta resposta deixou a Ana “num misto de angústia e felicidade”, ia deixar em Portugal a família e os amigos para ir em busca de um sonho, exercer a profissão para qual estudou durante 4 anos. O embarque para Inglaterra seria no dia 21 de janeiro de 2013. 

Quando entrou para a faculdade, em 2008, o Josué “já pensava que o futuro poderia passar por ser lá fora” e com o concluir do curso apercebeu-se que seria a única solução. Via os colegas partirem e “a determinada altura eram mais os que partiam para Inglaterra, Suíça, Alemanha ou Bélgica, do que os que estavam a trabalhar em Portugal”.

“Portugal já estava completamente fora dos meus planos e o que eu queria era Inglaterra”, diz a Ana com toda a certeza e descansada por “ter tomado a decisão certa”. “Contente” e “feliz” é assim que se sente. “ Sinto-me feliz por ter tido a coragem de emigrar e ter tido a coragem de virar as costas ao mundo tal como o conhecia”. 

Os dois jovens deixaram “a família, os amigos e a cidade que conheciam por um lugar completamente diferente que é a Inglaterra”. A Ana “tinha consciência que mesmo que arranjasse trabalho em Portugal não iria receber um ordenado de mais de 800€” e em Inglaterra recebe “praticamente o dobro trabalhando menos horas.” 

O Josué também sorri e não está arrependido da opção que tomou. Tal como a Ana também não teve a oportunidade de ganhar o primeiro salário em Portugal, mas diz que “mesmo que tivesse conseguido um trabalho de 800 €, não saberia quanto tempo é que iria durar, se três ou seis meses, e depois disso voltavam à estaca zero”. Confessa que não seria esse salário que lhe permitiria poupar dinheiro e que por isso, em Portugal “as perspetivas de futuro seriam muito reduzidas”. Hoje não trocaria “o salário nem a estabilidade que conseguiu em Inglaterra” por um trabalho no seu país. Em vez de ganhar 800 mensais, o Josué explica que consegue atingir praticamente o dobro do ordenado que conseguiria atingir em Portugal com um nível de vida que não é duplamente mais caro. “Consigo viver com muito mais conforto do que aquele que conseguiria viver no meu país”.

Tinham medo que aquilo que lhes estavam a prometer não correspondesse à verdade, receavam que lhes estivessem a “adoçar a boca com demasiadas regalias”. Mas “felizmente foi, cumpriram o que prometeram”, refere a Ana. 

“Não foi nada fácil”. Ao início a Ana sentiu muitas dificuldades na adaptação à língua. “A comunicação é a base da enfermagem e eu não conseguia expressar-me como queria”. Os colegas de profissão ajudaram-na a ultrapassar as dificuldades, “falavam mais de vagar numa linguagem mais corriqueira até eu começar a sentir-me à vontade e a compreender algumas das expressões que eu própria uso hoje”.

Em termos técnicos da profissão confessam que “ os enfermeiros portugueses têm uma formação melhor que a dos enfermeiros Ingleses”. Já ambientada com o novo país e com o ritmo de trabalho do novo hospital, a Ana já ganhou mais confiança em si, considera-se “uma boa enfermeira” e sabe que consegue “ tomar conta do recado durante um turno”. 

“Não considero que tenha virado as costas ao meu país, ou que o meu país me tenha virado as costas a mim, apenas procurei trabalho noutro sítio que necessitava dos meus serviços ao contrário de Portugal que de todo não precisa.” Para o Josué é assim que os jovens devem encarar o mercado de trabalho. “Não devem procurar trabalho apenas à porta de casa, se não são necessários aqui então procurem outro sitio onde realmente fazem falta”. 

Depois de terem trabalhado em Blackpool durante um ano e dois meses, os dois jovens enfermeiros decidiram mudar para a cidade de Manchester. Poderem escolher o próximo local de trabalho, “uma realidade que neste momento nem se sonha em Portugal”, referem. Estão a trabalhar no Manchester Royal Infirmary desde abril deste ano.

A família foi realmente o mais difícil de largar” mas o facto da Ana e do Josué terem viajado juntos fez deles o apoio um do outro. Uma realidade que nem todos têm pois tal como refere a Ana “há bastante gente que veio completamente sozinha e sabe Deus como elas aguentaram. Eu sei que sozinha nunca teria tido a coragem de vir”. 

A vida deles deu uma “volta de 180 graus” diz o Josué, que encarou esta mudança como uma oportunidade, porque “ ia começar a trabalhar, com um bom salário, com uma boa perspetiva e para aquilo que estudou”.

A família ficou em Portugal a torcer para que tudo corresse bem. “Estão à distância de um voo de duas horas e meia”, desdramatiza o Josué. Os pais encaram com naturalidade e “estão mais felizes por eu estar longe mas a trabalhar no que gosto do que se me vissem em casa sem poder exercer”. 

Confrontados com a pergunta, “voltariam para Portugal?” A resposta foi unânime: não. O Josué e a Ana não pensam voltar a Portugal “nem a curto nem a longo prazo”. A experiência que vão adquirindo como enfermeiros “não tem qualquer relevância em Portugal” e por isso o Josué sabe que “regressar seria um pouco voltar ao início”. 

A pesar das saudades da família que deixou em Lisboa, a Ana também tem saudades do sol das terras lusitanas.”Quando eu vou trabalhar de manha, às 06h30, está um sol radioso, quando volto para casa as 15h00, está a chover. Por isso a jovem enfermeira tem cada vez mais certeza que “Portugal só mesmo para a reforma e para as ferias”.

As estatísticas falam que estarão a sair do país 100 mil a 120 mil portugueses por ano. Entre eles estão jovens qualificados que acabam de sair das universidades. Os que acabam fazem as malas para partir, os que ainda ficam para terminar a licenciatura começam a planear sair quando terminarem. A Yara Gameiro e o Fábio Triguinho, ainda têm mais um ano de faculdade pela frente, mas já começam a planear o futuro.

Os dois estudantes de enfermagem da Escola Superior de Saúde da Guarda estão a estagiar no serviço de Urgência do Pêro da Covilhã e sabem que quando terminarem o estágio não terão espaço naquela equipa. Os dois estão determinados a sair do país. A Yara já está a aprofundar o Inglês porque é em Inglaterra que espera começar a carreira. Quer emigrar mas espera voltar um dia. “Quero trabalhar no meu país”.

Também o Fábio quer ter oportunidade de exercer aquilo que aprendeu ao longo do curso, mas sabe que “Portugal não oferece boas condições a nível monetário. É impossível construir alguma coisa neste momento por causa das condições que o país oferece”. Ao contrário da namorada, o Fábio quer ir para Angola, confessa que lá poderá “estar constantemente a aprender” porque “eles têm recursos, só precisam de pessoa formadas para os usar”.

A oferta em Portugal apresenta-se escassa e os cursos superiores já não são uma garantia para estes jovens. Portugal começa assim a perder os dois recursos mais valiosos que tem: os jovens com qualificações. Uns vão e não voltam, outros saem e esperam voltar um dia.

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