quarta-feira, 11 de junho de 2014

Fenómeno de Apostas Desportivas Online em Portugal

Por: David Sousa

O advento da internet possibilitou a criação de vários negócios e fontes de rendimento nos diversos quadrantes da sociedade. Desde a informação ao lazer existem sítios que prestam serviços que vão de encontro às expectativas dos utilizadores. O caso mais flagrante de sucesso de uma marca criada neste habitat da internet é o Facebook de Mark Zuckenberg. Hoje, assiste-se a um fenómeno de migração de empresas criadas no espaço físico para o online. As casas de apostas desportivas são o exemplo perfeito, anteriormente sediadas em locais específicos como Estados Unidos da América, Grã-Bretanha ou Grécia. A implantação do modelo na internet permitiu alcançar novos mercados como o português.


As casas de apostas que costumavam ser retratadas nos filmes de Hollywood, geralmente representavam uma sociedade americana ou britânica, freneticamente disposta a apostar elevadas quantidades de dinheiro nas corridas de cavalos ou num encontro de futebol americano. O dinheiro era entregue em mãos num determinado espaço físico. Apesar desses locais e a sua popularidade ainda persistirem, é inegável o sucesso que este movimento provocou na rede.
A crise económica que afecta Portugal constitui um dos motivos para o utilizador português se arriscar nesta aventura, inicialmente acredita-se que será uma fonte de rendimento extra, outro dos motivos apontados é "adrenalina" adjacente ao risco de apostar dinheiro. O número de apostadores portugueses registados e o volume de capital que é movimentado anualmente com apostas desportivas ainda é desconhecido, fruto da falta de regulamentação e da intransigência das casas em fornecer dados específicos. As referências dadas é que o número tem duplicado ano após ano.
 Com a proliferação das casas de apostas em servidores portugueses, Bruno Coutinho teve a ousadia de em 2005, criar o primeiro sítio português na internet destinado à discussão, partilha de informação e de prognósticos para eventos desportivos - apostaganha.pt.


Bruno Coutinho


O interesse havia sido suscitado pelas inúmeras publicidades que o "bombardeavam" nos meios de comunicação, a ideia surgiu "numa altura em que já tinha um fórum de informática, de imediato lembrei-me de criar um fórum de apostas onde não só pudesse compartilhar as minhas previsões como discutir as previsões dos outros e todos em conjunto escolher as melhores apostas". O crescimento do website verificou-se à medida que a internet se ia tornando mais popular, através de uma estratégia de produção muito utilizada por sítios como o Youtube ou Wikipédia, o crowdsourcing. Consiste na utilização de conhecimentos colectivos e voluntários para a criação de conteúdo, ideias e respectivo desenvolvimento.
Neste momento é administrador da maior comunidade de apostadores online, com cerca de 20151 membros inscritos. O seu alcance quebrou fronteiras e existe já dentro do próprio site uma grande comunidade brasileira de apostadores, "alguns a ajudarem na gestão do espaço". Bruno, como é amigavelmente tratado no seu fórum de apostadores, num regresso temporário ao ano de 2005 revelou que as expectativas não eram elevadas "nunca na vida" imaginou a preponderância que o site viria a tomar para os apostadores mas "aquela ponta de esperança" permanecia. Estabeleceu ao longo dos anos parcerias com casas de apostas, em troca de espaços publicitários no site e promoção de registos, as casas  fornecem bónus e prémios para os utilizadores que tiverem melhor desempenho mensalmente. Apesar do seu sucesso na área, o mentor do "apostaganha" lança um aviso sério à navegação e às ilusões que muitas vezes são vendidas neste meio onde vê "muita gente a entrar no jogo online à procura do dinheiro fácil e rápido, e com o pensamento que vão ficar ricos depressa. Erro crasso, são os primeiros a perder o que tinham para apostar. As apostas são uma maratona, não uma corrida dos 100 metros."



Nos bastidores das apostas tenta-se configurar modelos ou estratégias para ter lucro a médio-longo prazo, são criados alguns manuais com passos a seguir para se ter sucesso, uma boa gestão de banca, informação relativa aos jogos e intervenientes, análise estatística e visualização dos eventos são pedras basilares para os apostadores que pensam as apostas de forma mais profissional. Bruno acredita de forma convicta na profissionalização do apostador, "conheço de perto alguns. É necessária muita frieza, muita estabilidade emocional, e só quando levada como uma espécie de "trabalho", com todas as responsabilidades inerentes, é possível ter sucesso no longo prazo.




Com 24 anos e oriundo de Vila Real, Rodrigo Castelo é o membro do apostaganha com melhores resultados desde que existe essa contabilização estatística pelo website, ainda assim, convictamente acredita não existir "uma fórmula mágica ou científica". Este especialista em ténis é peremptório quando diz que não se considera um apostador profissional e que se limita a preparar antes de apostar através de uma análise ao momento dos intervenientes. Informação e conhecimento sãos as componentes mais preponderantes. Numa alusão ao momento mais "stressante" que viveu enquanto apostador, revelou ainda hoje aliviado "ia com o intuito de fazer uma aposta no valor de 50 euros na Sara Errani", famosa tenista italiana e "num erro ao digitar o valor, apliquei mais um zero e apostei 500 euros" algo que nunca faz numa só aposta "suei durante todo o encontro. A Errani acabou por ganhar após muitos sobressaltos". Mas, nem todos os casos terminaram da forma mais feliz e muitos utilizadores acabam por nem conhecer o sabor da vitória. João Aleixo do Porto começou a apostar com 18 anos, em pequenas quantidades, "carregava a conta com 10 euros" e apostava juntamente com amigos. Jovem e inexperiente nos primeiros contactos com o jogo só mais tarde percebeu que "estava algo viciado. Não tinha controlo emocional, e sempre que perdia 10 euros, lá ia carregar 10 euros assim que podia", a justificativa para tal acto deixava de ser a ideia do lucro mas mais "recuperar tudo o que tinha perdido."
A questão em torno das apostas desportivas tem ganho espaço mediático em Portugal, por reivindicação dos clubes, que vêem o seu nome utilizado pelas casas e por parte do governo que pode aproveitar uma nova fonte de receita fiscal. Por falta de regulamentação já foram retirados contratos publicitários de operadoras de apostas desportivas online , no entanto o caminho "é inevitável e deve seguir o rumo da maior parte dos países da Europa". O objectivo do governo português é fazer com que a Santa Casa regule as apostas desportivas online tal como faz com os restantes jogos da sorte, mas tudo dependerá do modelo escolhido "se seguirmos o que foi feito em França ou Itália ficaremos todos a perder, Estado incluído. Se seguíssemos o exemplo dinamarquês, que tem total abertura ao mercado e não obriga a contribuições utópicas, seria uma aposta ganha para todas as partes, especialmente o apostador que é quem mais importa." afiançou Bruno Coutinho.
O debate decorre e coloca de um lado as operadoras e a Associação Nacional de Apostadores Online (ANAO) e do outro as entidades clubísticas e governamentais. Seja qual for o modelo adoptado estão previstas alterações que irão mudar o "modus operandi" das apostas em Portugal com implicações ainda por classificar para os apostadores, casas de apostas, Estado e clubes desportivos. 

As gerações do croché

Por: Marlyne Eva

A arte do croché é difícil de explicar, assim como a sua origem.  A denominação desta arte das agulhas deriva das palavra francesa “crochet”, que significa gancho.
Maria José, nascida e criada na cidade da Covilhã é amante do croché desde muito nova, nunca foi a sua profissão, mas poderia ter sido.
O gosto pelo croché apareceu aos 4 anos de idade, quando a sua avó materna lhe ensinou este lavor. Sempre curiosa pediu à sua avó que lhe ensinasse a fazer croché, e começou logo por aprender o ponto cordão, como diz “é o mais fácil, é o começo de todos os trabalhos”.  É dos pontos mais fáceis de aprender, não sendo precisa muita prática para o fazer.

Pormenor de colcha de croché
“Ela tinha umas mãos de ouro e era muito desenrascada” continua Maria José ao relembrar os tempos que a sua avó lhe ensinou a fazer rendas pequenas, quando tinha seis anos. Fala também da mãe, que sabia fazer croché, mas que “não tinha tanto tempo para me ensinar”. Apesar de tudo, Maria José refere que lhe foi tomando o gosto e  “tudo o que via, tentava sempre fazer igual”. Os tempos foram passando já no início da adolescência, aos 14 anos, Maria José começou a trabalhar na fábrica de lanifícios, onde lidava, muitas vezes, com mulheres mais velhas. Mulheres essas que traziam também as suas rendas, para que nos momentos de pausa se pudessem entreter. E ainda pequena, Maria José sempre teve vontade de aprender tudo o que pudesse, e nesse sentido quando via as colegas a fazerem as suas rendas pedia sempre para as ver ou para as levar emprestadas, para que mais tarde, pudesse fazer uma igual. E foi assim até começar a formar a sua família.
No fim de contas, Maria José constituiu uma família com cinco filhas e um filho. A sua grande vontade foi que as filhas aprendessem e tivessem o mesmo gosto que ela tem pela arte do croché, e assim foi. Todas aprenderam a fazer croché, mas nem todas tomaram essa actividade como um gosto. Paula foi uma das que mais se agarrou a este lavor, e recorda “desde muito nova que me lembro de admirar a minha avó a fazer croché”. Sempre achou que trabalhar com a agulha não fosse fácil, mas nunca desistiu. Continua “quem me ensinou os primeiros pontos foi a minha avó, porque a minha mãe não tinha tempo”. Mas Paula refere que começou por aprender outro lavor, o tricô. O ponto liga e o ponto meia foram os primeiros que aprendeu, pois segundo a sua avó teria de treinar esses para depois conseguir aprender a fazer croché.
E assim foi, depois de aprender a manusear as agulhas de tricô, e ao fazer “camisolas de gola alta para bonecas”, Paula lembra que a mãe percebeu o seu gosto pelo croché e começou por lhe ensinar os pontos básicos desta arte.

Colcha para o primeiro neto de Maria José
Durante os primeiros anos, Maria José tinha sempre ideias em mente para peças de croché, principalmente, planos relacionados com os netos que não tardariam a vir. Assim sendo, fez uma colcha para o primeiro neto que nascesse, e ainda hoje guarda a colcha com amor e saudade desses tempos, em que “tinha muito mais paciência para fazer peças deste género”.

Em jeito de curiosidade Maria José ainda conta que já passou cerca de quinhentas horas a fazer uma colcha de croché para uma das suas filhas. “O meu marido é que foi contanto as horas que a demorei a fazer”, continua dizendo que essa colcha pesava seis quilos.




 
Peças de croché de Maria José
Actualmente, esta arte não está tão disseminada como antigamente. As novas tecnologias deixaram estes trabalhos manuais para trás, e Maria José acha que “a maior parte das pessoas não dá valor a esta arte, principalmente os jovens”. Contudo diz também que, de certa forma, há muitas jovens que gostam de peças de roupa feitas com croché. Por outro lado, a sua filha Paula considera que as pessoas não valorizam este trabalho. “Trabalhamos horas a fio com amor e carinho, ponto por ponto”, diz Paula que sempre que faz um trabalho está ansiosa por ver o seu resultado. “Mesmo em termos monetários, acho que é difícil quantificar o trabalho que isto dá”, continuou.





Peças de croché de Paula

Ao mostrar várias das peças que guardam com carinho, ou que ainda estão a fazer, Maria José e a sua filha Paula lembram que hoje em dia já não se faz tanto croché como dantes. Maria José porque que se sente cansada mais rapidamente e “a vista já não é a mesma”, para além de que é preciso muita paciência. Paula, por sua vez, diz que ainda faz alguns trabalhos, mas que só não faz mais porque “a vida não me deixa muito tempo para o croché, pois são precisas muitas horas para conseguir fazer um bom trabalho”.
Em relação às netas, Maria José diz que “adorava muito” que elas aprendessem esta arte, contudo, tendo apenas quatro netas, essa realidade começa a ser difícil. Sabe que algumas já foram experimentando fazer algumas coisas básicas desta arte, mas não perde a esperança que alguma delas lhe tome o mesmo gosto que ela própria. Paula diz que iria adorar, e que a seu tempo e quando tiver mais disponibilidade terá “um tempo disponível para ensinar as netas”. Continua dizendo que “gostava, que pelo menos elas se iniciassem nesta arte, pois seria muito interessante”.
A vida passa e há tradições que se mantêm, e Paula gosta de guardar algumas da peças que a sua mãe lhe foi fazendo, e ela própria confessa que espera deixá-las à sua filha.
A arte do croché fez sempre parte desta família e o espólio é bastante extenso, como se pode ver nas seguintes fotografias e vídeos.

                                                                                                                                                                                

                           





Maria José a fazer croché


Paula a fazer croché

“O croché há-de vencer sempre” finalizou Maria José.

É difícil perceber qual a origem desta arte, mas pensa-se que tenha sido na Arábia. As rotas comerciais dos países árabes levaram esta arte até ao Tibete e também em direcção a Espanha, através da rota do Mediterrâneo.
Por outro lado, também se pensa que tenha tido origem na América do Sul no seio de uma tribo primitiva que usava adornos de croché em rituais de passagem para a adolescência.
Outro dos prováveis locais de origem foi a China, devido a algumas descobertas arqueológicas, muito parecidas com as peças de croché que conhecemos dos dias de hoje.
Este tipo de trabalho começou a ser difundido no século XVI na França, por freiras e professoras de artes, que ensinavam este tipo de renda. Durante esta época, o croché foi considerado um passatempo da classe social alta.
Já no século XX, desde o final dos anos 40 até ao início dos 60  houve um ressurgimento desta arte, passando a ser vista como artesanato. É já na primeira década do século XXI que o croché renasce e começa a fazer parte de muitos desfiles de moda internacionais.
Hoje em dia o croché também já está nas redes sociais, como por exemplo no Facebook. Através destas páginas juntam-se pessoas que partilham experiências e trabalhos, assim como muitas imagens dos pontos possíveis desta arte. Estas páginas de Facebook são alguns dos exemplos que fortalecem a presença do croché actualmente na sociedade, que apesar de estar tecnologicamente mais avançada, não deixa de esta interessada na arte de fazer croché.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Explosão de ideias e exposição de mundos


 Por: Regina Henriques

Um edifício abandonado, algumas gambiarras e mentes criativas. Reunidas estas condições um grupo de cerca de 60 jovens foi capaz de transformar um sítio abandonado e sem vida num Centro Cultural criativo a transbordar de arte e ideias.

O que começou por ser um desfile organizado pelos alunos de licenciatura em design moda, de há quatro anos para cá tem sido um dos eventos originais da cidade da Covilhã, que durante três dias é notícia nos principais órgãos nacionais de comunicação social.

Expande a tua mente, é a mensagem original do Expand Your Mind (EYM), um evento desenvolvido para “ligar a Universidade da Beira Interior ao Município da Covilhã” e que pretende ir ao encontro de jovens empreendedores e inovadores que tenham interesse em expor os seus trabalhos criativos.

Organizado especificamente pelo curso de design de moda, o movimento EYM conta também com os cursos de cinema, design de multimédia, arquitetura, design Industrial e ciências da comunicação para reunir no mesmo espaço jovens designers e artistas que tenham a intenção clara de se expandir mostrando propostas criativas e de qualidade.

“Foi em 2013 que sentimos uma necessidade gritante de expandir este movimento a todos os cursos e combater a inércia, de maneira a que a falta de meios não represente um impedimento para alunos com vontade de trabalhar; para os alunos que procuram e lutam pela realização dos seus objetivos não deixem de criar as suas próprias oportunidades”. A mente expandida de Bruno Cunha, o criador do evento, conta já com 23 primaveras e de acreditar tanto e “até ao fim”, quis transformar um desfile de moda que ocorria no âmbito no curso de Design Moda num projeto com visibilidade e que atraísse um maior número de pessoas.

“Durante dois anos os desfiles realizaram-se no espaço atrás da Câmara Municipal aqui da Covilhã e em 2012 passaram para o CineTeatro. Aos poucos foi crescendo mais um bocadinho mas nunca deixou de ser um pequeno desfile que as pessoas simplesmente encaravam como sendo mais um desfile”, referiu o jovem natural da Póvoa do Varzim.

Ao mesmo tempo que divulga o que mais de atual existe no mundo da arte, o projeto faz questão de aliar a atualidade à história da cidade que o acolhe. Os locais são escolhidos a dedo para que, segundo Bruno Cunha “ao mesmo tempo que estivermos a mostrar os nossos trabalhos, estarmos também a recuperar um bocadinho da história da Covilhã, que está perdida: a indústria têxtil” explicou o jovem aquando a edição de 2013 do Expand Your Mind.

Nesse ano o palco para esta mostra de arte foi uma fábrica têxtil abandonada que foi segundo Bruno Cunha,  “arranjada mas não tornada nova” com o fim de alertar as pessoas para o abandono histórico dos edifícios da cidade da neve, e este ano a história repetiu-se. O edifício escolhido para o Expand Your Mind 2014 foi nem mais nem menos uma antiga rodoviária do centro da cidade, a Garagem de S. João de Malta.

Teresa Fernandes com 80 anos feitos no dia 23 de Dezembro lembra-se que foi nesse mesmo local onde viu em pequena o filme Capas Negras onde contracenavam Amália Rodrigues e Alberto Ribeiro. E o que podia ser uma confusão é de facto a verdade porque, segundo o blogue “Covilhã, cidade fábrica cidade granja”, no local onde a garagem está hoje instalada existia desde 1875 o “Teatro Velho” que na década de 30 do século seguinte, foi vendido pela Câmara Municipal da Covilhã.

Apesar da autoridade municipal ter imposto a construção de uma casa de espetáculos, no lugar surgiu antes uma garagem então chamada de Garagem S. João de Malta, onde Asdrúbal Moreira se recorda de ver funcionar o Auto Transportes do Fundão e uma oficina de automóveis.

A Garagem de S. João aquando o seu
funcionamento e atulamente

Fechada desde 2000, pergunta-se então como é que uma velha garagem ainda a cheirar os óleos consegue
Limpezas na Garagem de São João
receber um evento artístico. A resposta vem mais à frente, mas fica a deixa de que o evento não só veio a realizar como antes mesmo das limpezas, a organização apelou aos fotógrafos da região que viessem explorar e fotografar o espaço. Um dos profissionais que aceitou o desafio, João Silva explicou que para além da garagem fazer parte da sua memória, os espaços devolutos são um bom objeto de trabalho.

Depois de registado o antes, o depois fica ao encargo do Expand Your Mind e dos voluntários que a organização recrutou para as tarefas das limpezas, organização e decoração do espaço. Trabalhando em equipa, contando com a ajuda da Câmara Municipal da Covilhã e das Águas da Covilhã, a garagem ganhou forma.

“Do ano passado para este ano o espaço aumento dez vezes, temos dez vezes mais trabalho, dez vezes mais implicações de custos, ou seja tudo multiplicou por dez vezes. Mas também a criativade e a oportunidade de criar aumentou dez vezes, ou seja, as responsabilidades aumentaram dez vezes mas os benefícios dessas responsabilidades também aumentaram”, explicou o organizador do evento.

O Expand Your Mind 2014 foi procurado pelas mentes curiosas que ao mesmo tempo que queriam relembrar a velha garagem por dentro procuravam também esclarecer-se quanto ao trabalho dos alunos.

O atual Presidente da Câmara da Covilhã Vítor Pereira esteve presente e para além de parabenizar o evento que considera “uma aposta ganha pela sua originalidade ousadia e criatividade, acrescentou que também a si trazem saudade os tempos áureos da Garagem de S. João. “Foi aqui que comprei dois veículos e era aqui que os assistia” referiu o autarca com um sorriso.

“Vi muita cultura, o que é importante, vi muita animação, vi muita felicidade, vi muito empenho e vi muita alegria”, foi assim que o Reitor da Universidade da Beira Interior se referiu à sua experiência no Expand Your Mind. Quanto à pergunta sobre a importância destas iniciativas, o professor referiu que é fundamental, e acrescentou que o espaço da Garagem de São João é um “excelente espaço cultural para a cidade”.




ANEXOS:


A música portuguesa a orgulhar-se de si própria



Fonte: Facebook do projecto
Com o objectivo de celebrar a maravilhosa variedade da música feita em Portugal, Tiago Pereira cria o projecto “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria”. Com recurso a cenários inusitados num ambiente de proximidade, o realizador, com a ajuda de uma equipa de colaboradores, documenta talentos e traz a música portuguesa para a rua.


Por: Fernando Cardoso

O conceito é simples: valorizar parte do ouro artístico existente em Portugal. Foi com esta premissa que Tiago Pereira, realizador e videógrafo, edificou o projecto “A música portuguesa a gostar dela própria”, um canal de vídeo onde regista projectos musicais portugueses. A iniciativa surgiu há três anos e meio e consiste fundamentalmente em explorar e difundir as potencialidades sonoras originárias de cada canto do país. No total, já foram recolhidos e gravados mais de 600 vídeos, misturando na mesma plataforma as actuações de músicos profissionais e amadores. Com a finalidade de captar a simplicidade delicada dos diversos géneros musicais, a estratégia passa por filmar vários projectos musicais em lugares inóspitos, comprometendo-se a transmitir a relação única e intimista dos músicos. Desta forma, os vídeos são sempre filmados em espaços exteriores de modo a aproveitar os sons-ambiente e a criar um certo grau de confinidade com os músicos.
Com a ajuda de uma câmara, de um tripé e de um microfone, Tiago regista os sons, os instrumentos e as canções e, em conjunto com a sua equipa, capta minuciosamente as performances dos músicos. Através de uma abordagem algo particular caracterizada pelo uso essencial do som, o videógrafo recolhe o material para desconstruir e recriar a tradição oral portuguesa.
Tiago Pereira cresceu envolto à canção tradicional e viu na capacidade de documentar a possibilidade de dar reconhecimento à imensidão de géneros e feitios da música portuguesa. “Desde pequeno que estava ligado à música tradicional portuguesa e desde cedo acostumei-me a isso, porque o meu pai era músico”, explica o autor da iniciativa. A ideia do projecto surgiu em 2011, após o arquivista ter feito um trabalho cinematográfico em que expôs a génese da música portuguesa, explorando ao máximo a sua variedade. O documentário, intitulado “Se a Música Portuguesa Gostasse Dela Própria”, fez-lhe achar “muito importante criar uma espécie de youtube onde pudesse pôr a música na rua e onde fosse possível reunir tudo”. O trabalho de Tiago enquanto realizador do projecto passa por fazer cruzamentos entre várias pessoas e captar as histórias que elas têm para contar no sentido de tentar diminuir o fosso existente entre a música popular e a música moderna com maior expressão nos centros urbanos.
“A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria” é um projecto de autor e mais do que fazer recolhas de música, o propósito é fazer vídeos documentais. Estes vídeos são vídeos de planos fixos baseados numa lógica teatral associada a uma feição cinematográfica, na qual o documentarista cria um palco onde deixa que o artista seja o protagonista e, através da música, diga aquilo que tem para dizer. Tiago Pereira considera este aspecto da encenação muito importante, uma vez que é o que permite “dar um cunho especial e diferente ao trabalho”. O contexto, traduzido pelo ambiente, escolha do local e paisagem sonora, são elementos fundamentais, porque exprimem essa face teatral e, dessa forma, tornam os vídeos diferentes de simples registos. Todos os momentos são captados num cenário intimista e o mais associado à natureza possível de modo a atrair um público atento e interessado.
Embora o projecto se interesse por explorar todo o tipo de música, foca-se essencialmente na música popular mais afastada dos grandes centros urbanos justamente por ser um género mais difícil de ser descoberto e reconhecido. O processo de trabalho, desde a recolha do material à publicação online dos conteúdos, obedece a um método minucioso e complexo que o autor caracteriza como uma “espécie de triângulo com várias etapas de intervenção”. No primeiro lado existe a recolha, a gravação, a complexidade de chegar às pessoas e o aspecto da encenação, no outro existem os documentários, as entrevistas e a criação de uma narrativa que levante problemas sobre a música portuguesa e no último existem todas as recolhas que o videólogo descreve como “células vivas” que depois são misturadas, colocadas ao vivo e levadas para outros contextos. As recolhas desempenham assim um papel narrativo, contam uma história, e são posteriormente divulgadas, cumprindo-se a finalidade de transmissão da cultura oral.
Em Portugal, o despovoamento das aldeias, a desertificação e a escassez de serviços e oportunidades são realidades acentuadas no interior do país. No entanto, existe uma diferença visível em termos de riqueza tradicional e popular, uma vez que a população idosa, a faixa etária com mais expressão no interior, privilegia uma comunicação ainda muito física e utiliza instrumentos mais rudimentares no seu dia-a-dia. Por esta razão, “A música Portuguesa a Gostar Dela Própria” dá especial atenção à potencialidade musical existente nessas regiões. “As pessoas mais idosas privilegiam a alfabetização da memória, porque têm mnemónicas que foram feitas muito antes de surgir a rádio e a televisão” diz o realizador, salientando que em contrapartida o litoral “é cada vez mais ocupado e igual a tudo”. Tradição é sinónimo de transmissão e é pela transmissão que as culturas passam de geração em geração. Neste contexto, o documentarista reforça a importância que o projecto dá à cultura oral justamente por ter sido “graças a ela que a tradição sempre foi sobrevivendo”.

Flávio Torres tem 34 anos, é natural da Covilhã e um cantautor de música folclórica. Após participações em vários projectos como compositor, cantautor e produtor, o músico edita dois álbuns de estúdio marcados por sonoridades que vão do swing/folk ao pop e ao blues com forte influência na música das décadas de 60 e 70. Em Fevereiro de 2013 junta-se ao leque de artistas filmados por Tiago Pereira no âmbito do seu projecto. Nos recantos da Avenida da Liberdade, em Lisboa, por entre uma voz melodiosa acompanhada do som das cordas das guitarras, a magia acontece.

O músico afirma que foi um privilégio ver o seu trabalho integrado noutro trabalho de grande qualidade e, através dele, poder contribuir para uma maior comunhão de variedades artísticas. “Cada vez mais me orgulho da música portuguesa e do facto de existirem iniciativas tão especiais como esta que viabilizam e mantêm viva a essência e a tradição”, afirma Flávio Torres. Para o artista, a divulgação do autor português, nos mais diversos géneros e feitios, é fundamental para a afirmação do país enquanto território culturalmente coeso e heterógeneo.
Portugal, quer a nível geográfico quer a nível social, sempre foi um país bastante diversificado. Como território muito variado, foi sempre um país permeável à fixação e integração de muitas culturas por ser o extremo ocidental europeu. Desde os árabes aos visigodos, aos celtas e aos romanos, foram milhares as culturas que até hoje habitaram Portugal. Como resultado, a música portuguesa foi sempre sofrendo transformações e acumulando traços específicos de cada povo, consolidando-se como uma mistura de vários géneros. Na óptica de Tiago Pereira, é esta “cataplana de culturas” que torna a música portuguesa diferente de todas as outras e que lhe permite “manter uma riqueza sonora e uma identidade muito ligada às raízes populares”.
Enquanto condutor do projecto, Tiago assume-se também como visualista, na medida em que tem de adaptar o seu trabalho aos novos métodos de produção de conteúdos e procurar modos alternativos de produção como resposta à facilidade técnica proporcionada pelo avanço tecnológico. Considerando que o cinema morreu a partir do momento em que se inventou a televisão, o autor acredita que as técnicas de manipulação surgidas com o desenvolvimento tecnológico obrigaram-no a explorar as potencialidades do audiovisual, afirmando que tem vários projectos onde faz “video samplings, vídeos ao vivo e montagens audiovisuais sempre no sentido de usar o vídeo como uma ferramenta musical”. Desta forma, o realizador procura ser também vídeo-músico e assegura ter sempre a preocupação de que é necessário explorar os limites do audiovisual para materializar e desenvolver o trabalho pretendido. “Na maior parte dos meus documentários, fiz primeiro a banda sonora em estúdio e só depois é que sincronizei tudo o resto”, afirma o documentarista referindo-se ao facto de dar grande importância às técnicas audiovisuais no seu método de trabalho.
Com três anos e meio de existência, o projecto já documentou muitas centenas de músicos, entre eles bandas que entretanto deixaram de existir e outras que se multiplicaram desde então. Desta forma, a iniciativa pretende chegar a toda a gente e disseminar as potencialidades artísticas de cada um pelo maior número possível de pessoas. “Todos produzem e a hierarquia musical tem de deixar de existir, porque a música não é apenas para os eleitos, é para as todas as pessoas”, defende o arquivista.
Misturando música portuguesa, velhinhas, jovens, cenários naturais, lengalengas antigas e samples sonoros, Tiago Pereira consegue manter de pé o objectivo do projecto. Ainda que sem quaisquer apoios financeiros, o interesse pela música e pela descoberta da natureza musical de Portugal leva o realizador a materializar um projecto que é já visto como uma célebre contribuição para a cultura nacional. O projecto “A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria” é a prova de que o entusiasmo, estimulado por uma dedicação primorosa e uma enorme força de vontade, pode marcar a diferença e fazer de uma boa ideia um trabalho de excepção.

Formados para sair em busca de um futuro

São Jovens. São emigrantes qualificados e tão cedo não pensam regressar a Portugal porque aqui “não há perspetivas de futuro”. 

Por: Ângela Oliveira 

Desde os descobrimentos que Portugal tem crescido como país de emigração e desde o rebentar da crise, em 2008, o fenómeno dos anos 60 parece estar a repetir-se. A única diferença é que esta nova levada de emigrantes não deixa o país para fugir à Guerra Colonial, mas antes para não se tornarem as novas vítimas do desemprego que assombra Portugal. 

Hoje, a emigração ganha outros contornos. As dificuldades de encontrar o primeiro emprego, as perspetivas de construir uma carreira e sair de casa dos pais ou as propostas pouco aliciantes das entidades empregadoras “obrigam” a geração mais qualificada de sempre a fazer as malas e partir sem olhar para trás. 

A emigração não constava no memorando da troika nem fazia parte dos planos de muitos dos jovens que se acabavam de licenciar. Já com o país ao comando da troika, em 2012, 121, 418 portugueses procuravam novas oportunidades noutros países, revelam os dados do INE. 

Os Portugueses seguiram os conselhos do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que em 2011 aconselhou os jovens a emigrar porque “a emigração não pode ser um estigma e se não encontram emprego em Portugal devem procurar oportunidades lá fora”. E foi “para fora”, principalmente para “terras de sua majestade” que os cérebros lusitanos partiram em busca de oportunidades. O observatório da Emigração avança que 5% do total da emigração portuguesa, ou seja, 30, 121 mil Portugueses, na sua maioria jovens, são recrutados para o Reino Unido. 

São milhares os licenciados que saem todos os anos das Universidades Portuguesas e que contribuem para o aumento da taxa de desemprego jovem que, segundo os dados do Eurostat de abril deste ano, chegava aos 36,1%, a sexta mais elevada a nível europeu. 

Sair tornou-se a melhor opção. A Ana Matos e o Josué Neto, de 23 anos, fizeram parte destes números. Podiam estar a trabalhar em Lisboa ou em qualquer zona do país, mas as respostas dos possíveis empregadores teimavam em não chegar. Depois de acabarem a Licenciatura na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, em 2012, os dois enfermeiros tentaram a sorte e enviaram currículos para várias instituições de Saúde em Lisboa. Ao final de 4 meses de espera, as respostas não chegavam. “Sentia-me completamente inútil, sentia-me frustrada” diz a Ana, que desde o inicio “sabia que provavelmente não seria só ao final de 4 meses que iria ser chamada, sabia que provavelmente estaria um ano à espera de uma entrevista que poderia nunca chegar ou de um trabalho que poderia nunca aparecer”. 

A área da enfermagem foi uma das mais afetadas e são milhares os recém-licenciados que deixam Portugal para poderem começar a carreira. Foi o caso da Ana, que quando terminou o curso sabia que seria difícil conseguir trabalho em Portugal, ou mesmo que fosse uma das poucas sortudas a consegui-lo, reconhece que o dinheiro que iria receber não seria suficiente para sair tão cedo da casa dos pais, para ir viver sozinha ou com o namorado. “Basicamente eu não via futuro à minha frente, eu só me via a viver com os meus pais, até ter 35 anos ou até ganhar o Euromilhões e ter dinheiro para pagar uma casa, porque via as despesas a aumentar e os salários a serem reduzidos”.

A decisão de sair do país foi tomada por necessidade. Para o Josué foi a “necessidade de querer começar uma vida própria e escapar ao desemprego”. Foi por isso que os dois recém-licenciados de Lisboa começaram a procura na Internet “por empresas que fizessem recrutamento de enfermeiros especificamente para o Reino Unido”, o único país que a Ana escolheria para construir uma carreira, “talvez por já estar habituada à língua”.

Candidataram-se, enviaram currículos e foram chamados para uma entrevista no Porto. O e-mail chegou com o endereço do Hospital de Blackpool, uma cidade a noroeste de Inglaterra. “Foi à entrevista e no final sentia-me mal, sentia que tinha posto os pés pelas mãos, tinha baralhado o meu Inglês todos, mas passados dois dias, ligaram-me e disseram-me que eu fiquei com o trabalho”. Esta resposta deixou a Ana “num misto de angústia e felicidade”, ia deixar em Portugal a família e os amigos para ir em busca de um sonho, exercer a profissão para qual estudou durante 4 anos. O embarque para Inglaterra seria no dia 21 de janeiro de 2013. 

Quando entrou para a faculdade, em 2008, o Josué “já pensava que o futuro poderia passar por ser lá fora” e com o concluir do curso apercebeu-se que seria a única solução. Via os colegas partirem e “a determinada altura eram mais os que partiam para Inglaterra, Suíça, Alemanha ou Bélgica, do que os que estavam a trabalhar em Portugal”.

“Portugal já estava completamente fora dos meus planos e o que eu queria era Inglaterra”, diz a Ana com toda a certeza e descansada por “ter tomado a decisão certa”. “Contente” e “feliz” é assim que se sente. “ Sinto-me feliz por ter tido a coragem de emigrar e ter tido a coragem de virar as costas ao mundo tal como o conhecia”. 

Os dois jovens deixaram “a família, os amigos e a cidade que conheciam por um lugar completamente diferente que é a Inglaterra”. A Ana “tinha consciência que mesmo que arranjasse trabalho em Portugal não iria receber um ordenado de mais de 800€” e em Inglaterra recebe “praticamente o dobro trabalhando menos horas.” 

O Josué também sorri e não está arrependido da opção que tomou. Tal como a Ana também não teve a oportunidade de ganhar o primeiro salário em Portugal, mas diz que “mesmo que tivesse conseguido um trabalho de 800 €, não saberia quanto tempo é que iria durar, se três ou seis meses, e depois disso voltavam à estaca zero”. Confessa que não seria esse salário que lhe permitiria poupar dinheiro e que por isso, em Portugal “as perspetivas de futuro seriam muito reduzidas”. Hoje não trocaria “o salário nem a estabilidade que conseguiu em Inglaterra” por um trabalho no seu país. Em vez de ganhar 800 mensais, o Josué explica que consegue atingir praticamente o dobro do ordenado que conseguiria atingir em Portugal com um nível de vida que não é duplamente mais caro. “Consigo viver com muito mais conforto do que aquele que conseguiria viver no meu país”.

Tinham medo que aquilo que lhes estavam a prometer não correspondesse à verdade, receavam que lhes estivessem a “adoçar a boca com demasiadas regalias”. Mas “felizmente foi, cumpriram o que prometeram”, refere a Ana. 

“Não foi nada fácil”. Ao início a Ana sentiu muitas dificuldades na adaptação à língua. “A comunicação é a base da enfermagem e eu não conseguia expressar-me como queria”. Os colegas de profissão ajudaram-na a ultrapassar as dificuldades, “falavam mais de vagar numa linguagem mais corriqueira até eu começar a sentir-me à vontade e a compreender algumas das expressões que eu própria uso hoje”.

Em termos técnicos da profissão confessam que “ os enfermeiros portugueses têm uma formação melhor que a dos enfermeiros Ingleses”. Já ambientada com o novo país e com o ritmo de trabalho do novo hospital, a Ana já ganhou mais confiança em si, considera-se “uma boa enfermeira” e sabe que consegue “ tomar conta do recado durante um turno”. 

“Não considero que tenha virado as costas ao meu país, ou que o meu país me tenha virado as costas a mim, apenas procurei trabalho noutro sítio que necessitava dos meus serviços ao contrário de Portugal que de todo não precisa.” Para o Josué é assim que os jovens devem encarar o mercado de trabalho. “Não devem procurar trabalho apenas à porta de casa, se não são necessários aqui então procurem outro sitio onde realmente fazem falta”. 

Depois de terem trabalhado em Blackpool durante um ano e dois meses, os dois jovens enfermeiros decidiram mudar para a cidade de Manchester. Poderem escolher o próximo local de trabalho, “uma realidade que neste momento nem se sonha em Portugal”, referem. Estão a trabalhar no Manchester Royal Infirmary desde abril deste ano.

A família foi realmente o mais difícil de largar” mas o facto da Ana e do Josué terem viajado juntos fez deles o apoio um do outro. Uma realidade que nem todos têm pois tal como refere a Ana “há bastante gente que veio completamente sozinha e sabe Deus como elas aguentaram. Eu sei que sozinha nunca teria tido a coragem de vir”. 

A vida deles deu uma “volta de 180 graus” diz o Josué, que encarou esta mudança como uma oportunidade, porque “ ia começar a trabalhar, com um bom salário, com uma boa perspetiva e para aquilo que estudou”.

A família ficou em Portugal a torcer para que tudo corresse bem. “Estão à distância de um voo de duas horas e meia”, desdramatiza o Josué. Os pais encaram com naturalidade e “estão mais felizes por eu estar longe mas a trabalhar no que gosto do que se me vissem em casa sem poder exercer”. 

Confrontados com a pergunta, “voltariam para Portugal?” A resposta foi unânime: não. O Josué e a Ana não pensam voltar a Portugal “nem a curto nem a longo prazo”. A experiência que vão adquirindo como enfermeiros “não tem qualquer relevância em Portugal” e por isso o Josué sabe que “regressar seria um pouco voltar ao início”. 

A pesar das saudades da família que deixou em Lisboa, a Ana também tem saudades do sol das terras lusitanas.”Quando eu vou trabalhar de manha, às 06h30, está um sol radioso, quando volto para casa as 15h00, está a chover. Por isso a jovem enfermeira tem cada vez mais certeza que “Portugal só mesmo para a reforma e para as ferias”.

As estatísticas falam que estarão a sair do país 100 mil a 120 mil portugueses por ano. Entre eles estão jovens qualificados que acabam de sair das universidades. Os que acabam fazem as malas para partir, os que ainda ficam para terminar a licenciatura começam a planear sair quando terminarem. A Yara Gameiro e o Fábio Triguinho, ainda têm mais um ano de faculdade pela frente, mas já começam a planear o futuro.

Os dois estudantes de enfermagem da Escola Superior de Saúde da Guarda estão a estagiar no serviço de Urgência do Pêro da Covilhã e sabem que quando terminarem o estágio não terão espaço naquela equipa. Os dois estão determinados a sair do país. A Yara já está a aprofundar o Inglês porque é em Inglaterra que espera começar a carreira. Quer emigrar mas espera voltar um dia. “Quero trabalhar no meu país”.

Também o Fábio quer ter oportunidade de exercer aquilo que aprendeu ao longo do curso, mas sabe que “Portugal não oferece boas condições a nível monetário. É impossível construir alguma coisa neste momento por causa das condições que o país oferece”. Ao contrário da namorada, o Fábio quer ir para Angola, confessa que lá poderá “estar constantemente a aprender” porque “eles têm recursos, só precisam de pessoa formadas para os usar”.

A oferta em Portugal apresenta-se escassa e os cursos superiores já não são uma garantia para estes jovens. Portugal começa assim a perder os dois recursos mais valiosos que tem: os jovens com qualificações. Uns vão e não voltam, outros saem e esperam voltar um dia.

domingo, 8 de junho de 2014

Grupo Covilhã em Transição - Carina Ferreira




Por: Carina Ferreira



Transição do e no Interior 

grupo Covilhã transição - transição do e no Interior




Cooperação, projetos, partilha e espírito de mudança são, o lema da história feita pelas mãos do Grupo Covilhã em Transição, um percurso que reflete o espírito de uma comunidade melhor mais sustentável e resiliente.



Em transição há um ano, o Covilhã Transição é um grupo de pessoas que juntas pretendem tornar o espaço em que vivem, mais saudável e resiliente. Em Maio de 2013, pelas mãos de Ana Carlos, Margarida Sousa, Manuel Lourenço, Miguel Silvestre, Nuno Donato, Antónia Silvestre e Gracinda Pereira, surgia o primeiro encontro da iniciativa em transição, como uma apresentação de “como melhorar a minha comunidade?” Margarida Sousa, membro do grupo transição refere que o grupo embora tenha sido começado por estas pessoas, “o objetivo é torna-lo numa iniciativa mais horizontal, todos fazem parte, todos são fundamentais para o bom funcionamento de um projeto com vista comum a todos”. Parte de cada elemento dar um pouco de si, do seu tempo e da sua vontade de viver numa comunidade mais humana e resiliente.

A história da Transição começou na vila de Totnes, na Inglaterra em 2005/2006 com o objetivo de tornar a comunidade de um local mais atenta às questões ambientais, culturais, sociais e económicas, e, rapidamente esta iniciativa migrou para terras internacionais. Devido ao contexto sociocultural e económico do local onde acontece a transição será diferente de lugar para lugar, este é um dos aspetos fortes da transição, ela tem uma identidade própria. Os objetivos do movimento transição, esses sim, são iguais. O lema é tornar a comunidade em que se vive mais saudável e resiliente sendo necessário a ajuda e união de todos.

O Grupo Covilhã em Transição tem no seu programa de projetos um vasto conjunto de iniciativas a nível local. Iniciativas como as ajudadas, a biblioteca, as caminhadas, o cinema, a educação, o “troca a todos”, a reabilitação urbana, a reflorestação e a troca de sementes, têm em vista a transformação da comunidade, no sentido de uma vida mais tranquila. Aliado a todas estas iniciativas, encontra-se um grupo livre de regras onde todas as pessoas pertencentes ao grupo colaboram nas atividades consoante a organização das mesmas.
Este grupo de Transição, geralmente junta entre 10/15 pessoas, no entanto há atividades que chegam a juntar mais de 30 pessoas. A comunidade da Covilhã tem vindo a aderir lentamente, ao conceito “transição” e todas as iniciativas em torno deste. Um dos objetivos da transição é cuidar a terra através da Permacultura (Anexo 1). Esta atividade baseia-se não só numa lógica sustentável e ecológica, mas também tem a sua vertente social de cuidar das pessoas, partilhar os excedentes, levando a comunidade a refletir a consciência de uma vida melhor, em prol da partilha e do bom desenvolvimento a nível local pelas mãos de todos.
A essência deste grupo passa por questões ambientais, promovendo e desenvolvendo a Permacultura. Questões relacionadas com a preocupação com terra, as relações com as pessoas, questões ecológicas, divulgação de práticas de poupança energética e diminuição dos níveis de consumo, fazem com que as associações locais em colaboração com o grupo Transição ofereçam à comunidade uma visão mais ampla para um futuro próximo. Além das preocupações mencionadas anteriormente, a Transição pretende criar soluções para a economia, com formas mais colaborativas, como o empreendedorismo social, através da criação de uma moeda. Este é de fato um dos grandes desafios, para uma sociedade mais resiliente e economicamente sustentável sem que valores ecológicos e sociais da comunidade sejam postos em causa. 
 
Na rua, no bairro e pela cidade da Covilhã o grupo Transição tem dado o seu contributo. Entre os dias 17 e 18 de Maio de 2014, foi a vez da Intervenção Artística nas Escadas da Trapa (Anexo 2). Estas escadas, esquecidas ao longo dos anos, foram agora reavivadas com pinturas e frases que retratam a história das gentes da Covilhã e das atividades da Indústria Têxtil que laboraram ao longo do tempo na cidade.

Este projeto permitiu desenvolver não só a perícia e criatividade, mas também a ajuda humana da comunidade como manda a tradição do grupo. Com a ajuda da Câmara Municipal da Covilhã, que disponibilizou meios para a limpeza das escadas, a tarefa de reabilitação pelo grupo, começou. O principal objetivo da intervenção, para que não se deixe cair no esquecimento as origens da comunidade e, se torne os locais mais saudáveis, e com mais vontade de se frequentarem foi alcançado. Tomando como apoio excertos do romance “A Lã e a Neve” de Ferreira de Castro, datado de 1947 e que descreve a vida dos operários que todos os dias desciam e subiam pelas Escadas da Trapa a caminho do trabalho, foi dado o mote inicial para retomar a vida e trazer luz às mias de 120 escadas que constituem parte da história da Covilhã.

Com horas de trabalho entre o dia, e a noite a intervenção começou a desenhar-se com projetores direcionados à parede, esboçando-se imagens de operários e fábricas. Quando a tinta começou a dar cor e forma às figuras nas paredes, as pessoas que passavam agradeciam e davam opinião “está tão bonito”, “sim senhor, muito bem assim, dá gosto ver”. Com algum custo e suor a iniciativa tomou a figura de um local mais confortável de se ver, e com a história não só no tempo, mas também transcrita no chão das escadas e nas paredes que as envolvem. 

As figuras das paredes foram desenhos elaborados por alunos do curso de Design e Multimédia da Universidade da Beira Interior, que no decorrer de uma unidade curricular aderiram à iniciativa e contribuíram com desenhos das fábricas, dos operários e de figuras importantes que passaram pelo Teatro das Beiras, uma vez que uma das paredes do edifício (Anexo 3) se encontra junto às escadas e faz parte da sua história. 

Pelas mãos das gentes da comunidade que se juntou à iniciativa do Grupo Transição, o desfecho dos dois dias de intervenção artística nas Escadas da Trapa culminou com as danças tradicionais europeias, esta atividade é própria do movimento transição onde todos são aprendizes e mostram o dom da dança em grupo. Inserido no espírito do grupo houve um momento de convívio, que culminou com um jantar onde a conversação e troca de ideias imperam. Já perto do final, o Grupo Transição mostrou um vídeo onde pessoas da Covilhã testemunharam a vida de outrora naquelas escadas. Na despedida juntou-se toda a gente no início das escadas, e subiu-se degrau a degrau a ver uma representação “da realidade vivida na altura dos operários fabris” por elementos do Teatro das Beiras. Quando subidas todas as escadas, cantaram-se os parabéns dos 40 anos do Teatro, e do primeiro ano do Grupo Covilhã em Transição. 
      
Vídeo elaborado pelo Grupo Transição com testemunhos da história das Escadas da Trapahttps://vimeo.com/96318233

Covilhã em Transição pretende o melhoramento ambiental, social económico e cultural da comunidade. Este grupo tem na sua área de atuação várias atividades que vai pondo em prática de acordo com a possibilidade de todos os elementos. Reúnem-se em grupo e debatem questões que pensam necessárias, sejam elas de foro social, ambiental ou cultural, o importante é terem ideias que de algum modo sejam benéficas para a comunidade.
 
Na atividade de Reflorestação, (Anexo 4) o grupo Transição está envolvido com a AMO Portugal, (Associação de Mãos à Obra), e a Tribo da Estrela, um grupo de amigos que procura intervir de modo a proteger e preservar o meio ambiente, o lema do grupo é “Pensar global, Agir local”, para criar ações de recolha e troca de sementes, criação de viveiros, e reflorestar a Serra da Estrela. Fazer valas de infiltração, cortar plantas queimadas pelos incêndios e proteger árvores mais pequenas dos animais. É o trabalho de sementeira e reflorestação que o grupo transição tem desenvolvido junto da comunidade da Serra da Estrela.

Página: Tribo da Estrela: http://tribodaestrela.wordpress.com/

Também as Ajudadas (Anexo 5) são ações que visam implementar conhecimentos, e técnicas de Permacultura em terrenos e jardins com ajuda voluntária. Através de pedidos, o grupo Transição tem sido o autor de intervenções em terrenos de pessoas que pretendem ajuda de mãos voluntárias. As Caminhadas (Anexo 6) são uma forma de estar em contato com a natureza, promovendo o convívio do grupo e prestando atenção para uma possível intervenção de reflorestação. A Biblioteca e o Cinema são duas das iniciativas em que o grupo faz uma troca de “conhecimentos”, face à partilha de livros no sentido de aumentar a informação entre todos. Nos filmes trata-se de ver temas relacionados com a Transição, a Permacultura e alguns modos de sensibilizar e estimular novas ideias. Na Educação, o grupo tem estado em estreita colaboração com algumas escolas da comunidade, como a Escola Secundária Frei Heitor Pinto, onde junto de alunos e professores, promovem uma educação para a sustentabilidade da comunidade. Em pareceria com a Coolabora (consultoria de intervenção social), têm em conjunto o evento Troca a Todos. Essa parceria baseia-se numa troca de produtos ou serviços sem recurso direto a dinheiro, que pretende valorizar as competências e possivelmente a implementação de uma moeda local, tendo já promovido eventos como “dar a volta à vida”. Neste vasto conjunto de iniciativas, o grupo, tem ainda espaço para as Danças Tradicionais Europeias, um momento de convívio e descontração. Nesta atividade não há professor, pares fixos nem gente parada. O lema é saber ouvir o ritmo da música e acima de tudo saber ouvir o outro, as danças são “todos juntos”. Foi também pela mão das danças tradicionais que o grupo conseguiu angariação monetária para a intervenção que mais tarde veio a desenvolver nas Escadas da Trapa.
Para além de todas as associações que colaboram com o grupo Transição, destaca-se também o contributo de três jovens, que durante nove meses estiveram em união e partilha com o Grupo Transição. Lara Motoya de nacionalidade Espanhola,  Enrico Chiari vindo da Itália e Verna Puh da Eslovénia integraram este grupo através do serviço de Voluntariado Europeu, um intercâmbio internacional. Apaixonados pela mudança interior que pretendem colocar em prática no sentido de tornar a comunidade local melhor, estes três voluntários trabalharam na Permacultura e na transição da comunidade da Covilhã. Chegados sem saber muito bem o que os esperava, vieram para traçar o seu próprio caminho  na Covilhã. Durante a sua estadia, fizeram parte da intervenção artística nas Escadas da Trapa e também de todas as atividades que preenchem o sentido de partilha e união para uma vida em sociedade mais igualitária e melhor. Desta experiência destaca-se “a conexão com o interior pessoal, a natureza e as outras pessoas, é o passo principal para uma comunidade inspirada na união e partilha, e a transição entre todos precisa de ser feita primeiro no nosso interior e, só depois transportamos isso para a realidade” referiu Enrico.

O movimento Transição surgiu á cerca de meia década com o objetivo de uma resposta ambiental e um processo muito focado em questões de sustentabilidade. As comunidades em Transição devem ser capazes de contar as suas próprias histórias, sejam do passado, do presente ou futuro e que inspirem novas pessoas e localidades para a mudança principalmente a nível humano. Atualmente, as sociedades estão rodeadas de histórias pouco positivas, o pessimismo assolou as comunidades a nível global. E, neste âmbito o movimento de transição apela à mudança de pensamentos e de ações a partir do interior das pessoas para junto da comunidade em que residem.  
O movimento Covilhã Transição procura criar uma comunidade de partilha e ligação com vista a uma sociedade mais solidária e resiliente. A partilha é também um primeiro passo para algo maior, como a confiança, o aumento de laços e o fortalecer das relações, criando um ambiente de segurança. Todo o trabalho realizado pelo grupo e pelas associações colaborativas permite uma reflexão social baseada num desenvolvimento sustentável da comunidade. Com um ano de vida e já com muitas histórias para contar, este grupo tem vindo a criar raízes para que mais tarde o fruto das sementes que semeiam possa ser uma Covilhã viva e saudável entre toda a comunidade.

 link do blog do Covilhã Transição:
http://covilhaemtransicao.wordpress.com


Anexo 1 - Permacultura (cama elevada)
















Anexo 2: Intervenção Artística nas Escadas da Trapa



   Anexo 3: Intervenção Artística/ Paredes do Teatro das Beiras
                                                    
Anexo 4: Reflorestação na Serra da Estrela



Anexo 5: Ajudadas - trabalho voluntário da terra


Anexo 6: Caminhadas do grupo Transição




Anexo 7: A educação junto das Escolas da Comunidade

   Anexo 8:  Troca a Todos - "dar a volta à vida"



Anexo 9: Danças Tradicionais e Europeias